Bagada escrito em 4 de Agosto de 2023
Destaque no portal Saiba Mais desta quinta-feira (3). A matéria conta a história de Amanda, Larissa, Beatriz. Jovens mulheres potiguares com um sonho comum: se tornarem jogadoras profissionais de futebol. Na sua trajetória viveram situações semelhantes, o amor pelo esporte desde a infância, passagens por times profissionais e a triste constatação: “Não dá para viver de futebol no RN”. Pelo menos, não para as mulheres. Por falta de apoio e estrutura, uma realidade das que praticam futebol feminino, o sonho dessas quatro potiguares ficou em segundo plano.
Confira a matéria na íntegra:
Beatriz, hoje professora de educação física e mestranda no Programa de Pós-graduação de Educação Física da UFRN, iniciou sua relação com o futebol feminino em 2009, quando ingressou no IFRN. Antes jogava de forma amadora, para se divertir, mas sem o incentivo dos pais ou da escola.
“No Campus Natal-Central tinha a equipe de futebol de campo, então foi meu primeiro contato, assim, de fato, participando de competições”. Mas ela afirma que a oferta durou pouco. “Infelizmente, nos anos seguintes, a escola já não tinha mais a modalidade, tanto porque acho que não tinha meninas suficientes para a prática, como também nas competições que a gente participava não tinha mais a modalidade”.
Porém, em 2012, Beatriz participou da seletiva do América e foi uma das contempladas no processo. Naquele ano, o clube decidira criar uma equipe de futebol de mulheres para participar do estadual e firmou parceria com o Palmeiras, para que jogadoras do time paulista integrassem o time potiguar. O acordo também incluía a constituição de um forte equipe técnica com membros de ambos os times.
Naquela competição estadual, Beatriz teve a oportunidade de jogar ao lado da volante Formiga, da goleira Vivi, da atacante Nilda e de outras jogadoras que já tinham uma grande história no futebol de campo. O momento deu esperança à jovem potiguar que seu sonho podia se concretizar.
“Quando eu parava e olhava ao redor e via a jogadora da seleção que assistia pela televisão, era uma realização gigante. Entrei em todos os jogos, treinávamos muito durante a semana, então tudo isso dava uma impressão de ‘estou sendo uma jogadora profissional, ou me encaminhando para tal’. Na época eu tinha 17, 18 anos, então era a realização de um sonho. Era o sonho da criança, da menina que recebeu vários ‘nãos’, a apaixonada por futebol”, relata Beatriz.
Beatriz dava seu máximo como aleta, acreditando que uma hora a oportunidade iria aparecer, que poderia ter visibilidade e ser valorizada enquanto profissional. O América ganhou o estadual e a parceria com o Palmeira se desfez. O novo time passou a ser apenas de jogadoras potiguares, a equipe técnica passou também a ser apenas local. A derrota na segunda fase da Copa do Brasil de Futebol Feminino de 2012 fez com que o clube descontinuasse o projeto, dando fim ao time feminino.
Apesar do balde de água fria, Beatriz não desistiu e seguiu jogando pelo time universitário da UFRN. Em 2016 o Cruzeiro de Macaíba abriu o projeto de futebol de campo para mulheres. A atleta participou do primeiro ciclo desse novo time, em 2017, mas por problemas de saúde acabou se afastando da modalidade. A equipe do Cruzeiro de Macaíba foi encerrada em 2019, tendo sua base absorvida pelo América, que novamente criou o projeto feminino. Porém, o time alvirrubro teve vida curta, sendo descontinuado em 2020. A direção justificou o fim do projeto com a pandemia.
Beatriz, ao narrar essa sequência de fatos, lamenta: “são situações que vão deixando a gente bem desgostosa, de não querer mais insistir, sabe? Você ficar insistindo em dar murro em ponta de faca? Pronto, a situação do futebol de mulheres aqui no estado é dar murro em ponta de faca”.
A mesma desilusão é apresentada por Larissa Almeida, 26, e Amanda Silva, 25. Ambas participaram dos ciclos competitivos pelo Cruzeiro de Macaíba e pelo América e viram seus sonhos de se tornarem jogadoras profissionais se desmancharem pela falta de estrutura, incentivo e apoio.
Amanda após o fim do time do América chegou a ser convidada pelo CRB para competir o estadual alagoano. “Eu sonhava demais em jogar fora, mas logo desisti, estava frustrada demais”. Como já tinha passado pelo fechamento de dois times, temia viver a mesma situação. “Eu já fui tipo, ‘caramba, as coisas acontecem assim, você se dedica, você dá tudo de si e, de uma hora para outra, as coisas acabam‘”.
A jogadora, então, voltou a Natal para finalizar seu curso de fisioterapia. “Precisei deixar a Amanda atleta de lado e pensar ‘e se eu me machucar? Ah, e se aqui acabar ou se não der certo? O que é que eu vou ter na minha vida? Aí foi quando eu falei, não, preciso estudar pra terminar minha faculdade’. É a única coisa que vai me dar certeza, né? Aí foi quando eu parei de jogar, de tentar ser profissional”, relata.
Ela diz que, no íntimo, queria continuar jogando, mas que as equipes locais “muitas vezes cedem só camisa e é aquele apoio durante tanto meses, prometem tudo e você vai lá, se estrutura e daqui a pouco corta, é muito complicado. Aqui no RN eu não consigo ver melhorias, não consigo”.
Larissa Almeida, parceira de Amanda nos times Cruzeiro de Macaíba e América, precisou se afastar do futebol para realizar uma formação militar como bombeira, sua ocupação profissional. Ao desejar retornar a prática, viu um cenário devastador: os times haviam encerrado. O único time profissional existente no estado era o ABC-União, ela disse que até esboçou um movimento de se aproximar do clube, mas se decepcionou com algumas práticas.
Larissa diz que “se tivesse mais opções, tivesse outras equipes de futebol aqui no estado, eu voltaria a jogar, mas com a realidade atual eu não me vejo motivada para voltar”.
O quadro revela como “a gente não tem a valorização, a gente não tem o incentivo, a gente não tem esse desejo por parte tanto de gestão pública quanto também de gestão privada de alavancar a modalidade e de dar uma oportunidade para meninas, para mulheres viverem de jogar”, afirma Beatriz.
Segundo ela, a federação e os clubes brincam com os sonhos de meninas e mulheres. “Eles acham que por ser sonho a gente tem que aceitar qualquer coisa, e por muito tempo aceitamos. É triste e desmotivador. Mas a gente segue ressignificando o futebol em nossas vidas”, conclui Beatriz.
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